com criatividade e tecnologia, crianças e adolescentes do entorno do Lixão ganham prêmios e mudam de vida
11/04/2023 09h26 - Atualizada em 09/06/2025 21h31 Por Aline Miranda
Desde o ano passado, a Empresa de Assistência Técnica e Extensão Rural do Estado do Pará (Emater) vem doando eletrônicos e mobiliário para uma organização não-governamental (ong) com projetos de robótica desenvolvidos por crianças e adolescentes do entorno do Lixão do Aurá, em Águas Lindas, em Ananindeua, na Região Metropolitana de Belém (RMB). São beneficiados diretamente moradores de quatro comunidades, entre 12 e 16 anos, em situação de vulnerabilidade. Já foram doados mais de 700 itens, como computadores e mesas.
Além do objetivo de responsabilidade social, a parceria entre o Governo do Estado e o Terceiro Setor busca destinação adequada de produtos considerados “inservíveis” para a administração pública, porém com grande potencial de recuperação e reciclagem. A oficialização do repasse realiza-se por meio de Termos de Doação.
Samuel Medeiros, de 12 anos, nunca tinha visto frente a frente e nem tocado em um teclado, monitor e cpu (“unidade central de processamento”, em inglês) até participar de um curso de programação para aplicativos, ministrado pelo voluntário Bruno Barbosa, aluno do 6º semestre de Engenharia Elétrica da Universidade Federal do Pará (UFPA).
“Eu estou achando superlegal, vim aqui para conhecer e no futuro me tornar um profissional de computador”, empolga-se o garoto.
Transformação
Há quase uma década a ong Inovação Gileade atua no segmento de tecnologia cobrindo quatro regiões adjacentes ao Lixão do Aurá: Nova Vida, Olga Benário, Verdejante e Santana do Aurá.
De segunda a sexta, em horário comercial, capacitações, encontros e experimentos movimentam o prédio de dois andares, localizado a 500m do hoje desativado aterro sanitário. O propósito é denominado pela Diretoria como “robótica inclusiva sustentável” com protagonismo juvenil: “O boom da tecnologia nos contextualizou na metodologia ‘maker’, que é ‘faça você mesmo’, trabalhar em equipe, criar, colocar a mão na massa, ousar, oferecer soluções dentro e a partir da modernidade”, explica o fundador, Ricardo Gimenes, graduado em Administração e Direito.
De acordo com ele, o apoio da Emater é “grandioso”: “Funciona bem e ainda ajuda na divulgação da nossa existência, no sentido de revolução e concretização de idéias”, resume.
O volume recebido em doações é consertado e reaproveitado, servindo de ferramentas para laboratório, palestras e aulas, encabeçados por voluntários de faculdades, instituições e pessoas físicas. Aquilo de que não se consegue a restituição funcional vira um surpreendente artesanato de lixo eletrônico.
Em 2022, o trio Garotas Conectadas, formado em exclusividade por meninas, foi premiado em nível nacional em terceiro lugar no Torneio de Robótica First Lego League Challenge (FLL), do Serviço Social da Indústria (Sesi), com um projeto de sensor para canoas e rabetas melhorarem o fluxo e a segurança da navegação nos rios amazônicos.
Os jovens integrantes da ong também promovem o podcast Maker Cast. O cenário é todo construído a partir de material reprocessado para dois programas semanais, editados e transmitidos no Youtube, no Spotify e no site da Entidade (inovaçãogileade.com.br).
Talentos
Em uma periferia ameaçada por criminalidade, evasão escolar, gravidez precoce e consumo de drogas, a ong salva metas de vida e descobre talentos.
Criada pelo pai, autônomo, e pela avó, aposentada, Jennifer Bunschoten, de 16 anos, estudante do 2º ano do ensino médio, uma das apresentadoras do podcast, já quis ser engenheira e militar e agora se planeja para a carreira de delegada de polícia: “Aqui somos incentivados a sonhar, e isso é lindo, até porque, nós, mulheres, enfrentamos desafios a mais, de machismo”, conta.
Filha de empregada doméstica e enteado de um entregador de flores, Higor Santos, de 16 anos, estudante do 1º ano do ensino médio e produtor do podcast, pretende cursar faculdade de Computação. Ele pensa que, na vivência na ong, aprendeu disciplina e absorveu senso de coletividade: “É uma oportunidade de compreender e respeitar a nossa história como primeiro passo para criação, inovação e progresso”, diz.
Serviço: para doar ou conhecer a ong, contactar pelo número (91) 98284 - 3955.
Texto: Aline Miranda
Fotos: Veloso Jr.